Tarifa de 50% dos EUA atinge indústria de móveis e ameaça empregos no Brasil

Exportadores já enfrentam cancelamentos, férias coletivas e risco sistêmico na cadeia que emprega 1,1 milhão de pessoas no país; ABIMÓVEL atua em várias esferas para conter impactos

Postado sexta-feira 25/07/2025 por Redação

Tarifa de 50% dos EUA atinge indústria de móveis e ameaça empregos no Brasil
Tarifa de 50% dos EUA atinge indústria de móveis e ameaça empregos no Brasil

A decisão do governo dos Estados Unidos de aplicar uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto de 2025 vem provocando reações em todo o setor produtivo nacional, com especial atenção àqueles historicamente comprometidos com o comércio exterior e com cadeias produtivas altamente integradas, como é o caso da indústria brasileira de móveis. Setor que se vê diante de um risco sistêmico que pode interromper décadas de posicionamento de mercado, relacionamentos comerciais e investimentos industriais que beneficiam a geração de emprego e o desenvolvimento econômico do país.

 

Os Estados Unidos absorvem cerca de 30% dos embarques internacionais de móveis e colchões prontos, e quase 40% das exportações de matérias-primas, insumos e tecnologias com produção no Brasil, sendo o principal destino do setor no exterior. Só entre janeiro e maio deste ano, a indústria moveleira exportou mais de US$ 306 milhões em produtos acabados e 1,4 bilhão em suprimentos para o mercado global.

 

O impacto da elevação tarifária no setor — que subiu de uma média de 3,5% em abril para 10% em maio deste ano, com previsão de 50% a partir do início de agosto — compromete o equilíbrio de um ecossistema produtivo interligado, que envolve a indústria de base florestal, fornecedores de componentes, ferragens, tintas, vernizes, tecidos, embalagens, painéis e estofamentos; fabricantes de máquinas e equipamentos; a indústria de transformação; operadores logísticos, transportadores, profissionais autônomos, redes varejistas, entre outros tantos agentes da cadeia madeira e móvel.

 

Cadeia, esta, que emprega indiretamente mais de 1,1 milhão de pessoas no Brasil. O risco de retração nas exportações compromete, portanto, a produção e esse contingente de trabalhadores, afetando diretamente a economia local de regiões altamente dependentes do setor. As consequências mais imediatas da nova medida já são perceptíveis: queda nos pedidos, suspensão de embarques, férias coletivas, retração e cancelamento de contratos, conforme relatam empresas de diferentes portes e regiões. Além disso, a supertaxação, que coloca o Brasil como um dos países mais impactados pelo chamado “tarifaço americano”, influencia negativamente não apenas nos volumes e margens, mas também na produção, nos investimentos, no comércio e no planejamento estratégico nos dois países.
"Essa tarifa é extremamente prejudicial para ambos os lados. Não se trata de um problema apenas comercial, mas de uma questão que afeta pessoas, negócios, empregos, famílias e comunidades inteiras, bem como a confiança entre dois países historicamente parceiros. A interrupção do fluxo de mercadorias impacta a economia aqui e também compromete operações logísticas, contratos, prazos e preços praticados por empresas americanas”, alerta Irineu Munhoz, presidente da ABIMÓVEL e fundador do Grupo Caemmun, sediado em Arapongas (PR).

 

Indústrias de móveis já enfrentam cancelamentos e paralisações

Empresas com forte foco exportador já enfrentam queda abrupta nos embarques, cancelamentos de pedidos e paralisações de produção. A Temasa, sediada em Caçador (SC), exporta 100% da produção, com 45% tendo como destino os EUA. “Desde o anúncio do tarifaço, percebemos uma movimentação atípica por parte dos clientes, com muita preocupação. Ainda não tivemos cancelamentos, mas já registramos adiamentos nos embarques, o que demonstra indecisão e insegurança sobre os próximos passos. Isso pode representar a ruptura de quase metade do nosso volume de vendas”, fala Leonir Antônio Tesser, diretor-geral.

 

“Exportamos para os EUA desde 1993, com uma cadeia consolidada e produtos desenvolvidos sob medida para grandes clientes. Trata-se de um nicho específico, com engenharia dedicada, design personalizado, que não se redireciona facilmente e que deverá também impactar nossa produção futura”, diz ele. Sobre a possibilidade de compensar a tarifa com reajustes de preços, Tesser é direto: “Em tese, seria possível, mas só funcionaria com aumentos de 25% a 30%, o que é totalmente inviável. Nenhuma empresa opera com essa margem. O cenário é realmente muito preocupante”.

 

Em São Bento do Sul (SC), Daniel Lutz, CEO da Móveis Serraltense, relata que desde o início das especulações sobre o tarifaço, os embarques da empresa para os EUA vêm caindo. “As exportações para os Estados Unidos, que chegaram a representar 80% da nossa produção em 2024, fecharam o primeiro semestre de 2025 em apenas 30%. A média mensal de dez a 12 contêineres caiu para dois ou três.”

 

Segundo ele, desde março os clientes norte-americanos começaram a reduzir os pedidos, diante da sinalização de aumento tarifário por parte do governo dos EUA. “A tarifa de 10% já provocou renegociações e pedidos de desconto. Com o anúncio da alíquota de 50%, muitos cancelaram os pedidos. Alguns ainda vão absorver o prejuízo em nome de contratos assumidos, mas já sinalizaram que isso não vai se sustentar. Entramos em férias coletivas de 10 dias para acompanhar o cenário. Estamos buscando ampliar vendas para a América Latina e Europa, mas é um momento muito delicado”, afirma Lutz. Atualmente, os EUA representam quase 43% das exportações de móveis catarinenses, principal estado exportador do setor.

 

Em Arapongas (PR), o polo moveleiro também acompanha com atenção o desdobramento da crise. Embora o Paraná tenha um posicionamento mais diversificado de mercados, os EUA recebem cerca de 14% do total embarcado pelas empresas do estado. O que se reflete especialmente entre os fabricantes de estofados de couro da região, que já reportam problemas, é o caso da Toro Bianco. Marcela Carandina, diretora da empresa, pontua que os embarques previstos para agosto foram cancelados e que a recuperação da fatia de mercado poderá ser especialmente desafiadora caso a tarifa não seja revista. “Hoje, as exportações representam 50% do nosso faturamento, com presença em 23 países. Especificamente em relação aos Estados Unidos e Porto Rico, esses mercados respondem por 20% do total exportado.”

 

Ela destaca que a retirada das programações de compra para o segundo semestre por parte dos importadores desses países e a incerteza quanto à continuidade dos pedidos para 2025 já afetam diretamente o planejamento da empresa. “No nosso segmento, perder espaço no ponto de venda para um concorrente pode gerar um hiato longo até a retomada. Os lojistas trabalham com compras periódicas e em volumes expressivos, o que torna a reconquista de mercado ainda mais difícil.”

 

José Lopes Aquino, diretor da Colibri Móveis e presidente do SIMA (Sindicato das Indústrias de Móveis de Arapongas-PR), reforça que a situação atinge direta ou indiretamente a todo o setor, reforçando a necessidade de diálogo: “O que esperamos é o uso da diplomacia na negociação comercial, evitando viés ideológico. Importante que o governo brasileiro entenda que os EUA são um grande e importante parceiro, onde equilibrar os interesses visando a continuidade dos negócios é o melhor caminho”, enfatiza.

 

Euclides Longhi, sócio do grupo Multimóveis e presidente da Movergs (Associação das Indústrias de Móveis do Estado do Rio Grande do Sul) compartilha do pensamento: "Há indústrias na região que sofrerão prejuízos grandes, com as exportações para os Estados Unidos representando uma considerável parcela da produção e dos embarques dessas empresas [hoje quase 14% das exportações do estado]. Esperamos que os governos dialoguem e cheguem a um acordo”.

 

A Artemobili, segunda empresa que mais emprega em Nova Prata (RS), entende da importância do mercado norte-americano: 90% da produção é destinada ao comércio exterior; desse total, 80% destina-se aos EUA, e a maior parte dos pedidos já foram cancelados, inclusive 20 contêineres prontos para embarque.

 

“Esse tipo de produto não pode ser colocado em outro mercado. Nossa produção é personalizada, feita sob encomenda. Já colocamos toda a empresa em férias coletivas. Isso gera insegurança não só para a nossa empresa, mas para toda uma comunidade, onde centenas de famílias dependem diretamente do setor moveleiro para sua sobrevivência”, enfatiza Gabriel João Cherubini, CEO da Artemobili. “E não estamos falando apenas dos fabricantes: o impacto se espalha por toda a cadeia, paralisando fornecedores de tinta, ferragens, madeira, componentes… Há fornecedores que já têm florestas com toras cortadas, previamente encomendadas, e agora não há destino para esse material, que tem vida útil. É um efeito multiplicador que atinge todos os elos do setor — seus colaboradores, suas famílias, o comércio local e, consequentemente, a economia nacional”, complementa.

 

O Grupo K1, um dos maiores grupos moveleiros da América Latina – englobando as marcas Kappesberg, UZ Utilidades, Idélli, Bartzen e Siamo Casa –, já reporta impacto direto. Comercializando para mais de 45 países, as exportações são uma fatia significativa da atividade do grupo, que desde 2022 conta com um Centro de Distribuição nos Estados Unidos, com o mercado americano representando 20% das exportações e 3% do faturamento geral da empresa.

 

“Internamente, os impactos imediatos são negativos, resultando em cancelamento de embarques, além dos containers já embarcados que não chegarão ao destino antes do início da medida, resultando em incertezas no procedimento. A curto prazo, sabemos que haverá uma desaceleração em negociações e novos contratos, enquanto se reavaliam estratégias comerciais. Porém, acreditamos no diálogo e em negociações efetivas para reverter ou mitigar os efeitos da medida. Caso a taxação em 50% não seja revertida, esperamos que possa ser reduzida, considerando o histórico de bons relacionamentos comerciais”, compartilhou a empresa em comunicado.

 

A mmcité br, marca de origem tcheca com unidade em São Bento do Sul (SC), é uma das empresas que já vinha sentindo os efeitos das políticas tarifárias do governo Trump, mesmo antes do último anúncio. Com um portfólio predominantemente composto por mobiliário metálico urbano, a unidade brasileira já enfrenta as cotas de aço e alumínio, que foram dobradas no início de junho, chegando também a 50%. “Não sentimos um impacto
imediato, pois atuamos com base em projetos da construção civil, que têm prazos mais longos. No entanto, nosso principal cliente já iniciou o processo de transferência da produção para os Estados Unidos, o que coloca em risco nosso volume atual de exportações”, relata Tomas Josef Vrtiska, diretor-executivo. No primeiro semestre de 2025, 42% da receita da empresa teve origem no mercado internacional, sendo 35% provenientes dos EUA.

 

Efeito em cadeia: fornecedores também sofrem com cancelamentos e retração de demanda

Dessa forma, a tarifa de 50% não afeta apenas fabricantes de produtos acabados. Fornecedores da base da cadeia moveleira — como produtores de painéis, tintas, vernizes, ferragens e máquinas para fabricação de móveis — também já enfrentam quedas nos pedidos, suspensão de contratos e redirecionamento de estoques.

 

A Eucatex, empresa fornecedora e exportadora de painéis, com sede corporativa em São Paulo (SP), vê com preocupação o impacto no mercado norte-americano. Paulo Freitas, diretor de Assuntos Comerciais da empresa, explica que as exportações e a atuação no mercado externo representaram 29% do faturamento da companhia no primeiro trimestre de 2025, com atuação em 50 países.

 

“Nossos principais destinos são os Estados Unidos e a América Latina. Em 2024, 76% das exportações foram destinadas ao mercado norte-americano. Já no primeiro semestre de 2025, esse percentual subiu para 82%”, afirma. Segundo ele, a Eucatex atua com distribuição local nos EUA e, caso a tarifa de 50% seja efetivada, haverá necessidade de repassar aumentos ao consumidor final. “Os clientes estão sendo avisados sobre possíveis reajustes. A reação do mercado será determinante. Estimamos queda de volume e já estudamos novas rotas de redirecionamento desta produção.”

 

Na Renner Sayerlack, produtora de tintas e vernizes com sede em Cajamar (SP), a situação também já preocupa. Marcelo Cenacchi, diretor-geral, explica que do total de vendas diretas da empresa aos Estados Unidos, 55% é produzido no Brasil (o restante na fábrica da Itália). Mas não para por aí: “Clientes brasileiros que exportam para o mercado americano começaram a cancelar pedidos dos nossos produtos, pois seus clientes lá suspenderam as compras para evitar a taxa de 50%. Muitos já anunciaram férias coletivas e paralisaram suas linhas de produção. Acreditamos que cerca de 90% desses clientes serão seriamente afetados caso não haja um acordo para redução das tarifas, provocando um efeito em cadeia”.

 

Na Berneck, produtora de painéis com atuação global e sede em Araucária (PR), já há cancelamentos de pedidos por parte de clientes americanos. Segundo Daniel Kokot, gerente de Comércio Exterior da companhia, “a empresa estuda redirecionar o volume até então focado nos EUA – cerca de 3% do total embarcado pela empresa – para outros mercados, dentro das possibilidades, e seguiremos com as operações buscando novas oportunidades de destino”.

 

A AIMEX — Associação das Indústrias Exportadoras de Madeiras do Estado do Pará, mais antiga do setor na Amazônia — observa que, embora o mercado norte-americano tenha sido fundamental para o setor em 2024, com crescimento de 29,9% no valor exportado em relação a 2023, o cenário mudou drasticamente em 2025. No primeiro semestre deste ano, as exportações de madeira para os EUA registraram queda expressiva de 25,93%. A retração está relacionada não apenas às altas taxas hipotecárias que afetam o mercado imobiliário americano, mas principalmente ao anúncio da tarifa de 50% — uma medida que, se efetivada, compromete a competitividade da madeira paraense em seu principal mercado de destino.

 

ABIMÓVEL articula diálogo institucional e defende previsibilidade e cooperação entre mercados

A ABIMÓVEL já vem articulando diálogos e conexões sobre o assunto com diversas esferas do poder público e da iniciativa privada desde o início de março, quando começaram a circular as primeiras especulações sobre o “tarifaço”. Em 15 de julho de 2025, aliás, a entidade participou da 1ª reunião do Comitê Interministerial de Negociação e Contramedidas Econômicas e Comerciais, em Brasília (DF), propondo e defendendo o adiamento da vigência da tarifa por 90 dias, a abertura de canal diplomático direto com os EUA, a recusa a medidas retaliatórias precipitadas e o diálogo com entidades setoriais norte-americanas integradas à cadeia brasileira.

 

“A ABIMÓVEL está comprometida em colaborar com propostas, informações e diálogo entre as partes. Precisamos buscar soluções conciliatórias que levem em conta os impactos reais na economia e nas parcerias construídas ao longo de anos. Ninguém se beneficia com uma política comercial que penaliza quem trabalha conquistando mercado com foco, qualidade e excelência. O que está em jogo é o futuro de milhares de empresas, empregos e famílias brasileiras”, ressalta Cândida Cervieri, diretora-executiva da ABIMÓVEL.

 

By ABIMÓVEL
Foto: Divulgação

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